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Saint-John Perse. Crônica.

Trad. Benedito Nunes e Michel Riaudel.

Belém: CEJUP, 1992.

Esboço de crônica de Crônica

 

Existem várias maneiras de escrever poesia.

Mais conhecido como filósofo, o jovem Benedito Nunes chegou a publicar vários poemas na virada dos anos 1940-1950, entre outros textos, na revista Encontro (1948) e no Suplemento Literário da Folha do Norte. Nessa época, ele integrava o “Grupo dos Novos” de Belém, com amigos próximos, como Haroldo Maranhão, Mário Faustino e Max Martins, e com nomes de outra geração, como Francisco Paulo Mendes e Ruy Barata. Eles também frequentavam Robert Stock, pós-figuração franciscana, prefiguração contra-cultural, à margem da vida local, porém, para eles, ponte para uma descoberta mais profunda da literatura norte-americana.

Finalmente, no começo dos anos 1950, Benedito abriu mão do poema enquanto hacedor e passou a contemplá-lo com olho reflexivo e crítico. Contudo, notam-se projetos anunciados na revista Encontro de uma tradução a quatro mãos (com Mário Faustino) de uma coletânea de Psaumes de Patrice de La Tour du Pin, poeta de inspiração cristã, e de um livro do próprio Benedito, O poeta e o anjo (1). Décadas depois, renasceu o desejo de traduzir poesia, desta vez um conjunto de Saint-John Perse, Chronique. Foi aí que eu entrei de gaiato, por também ser cutucado pela tradução de poesia (no meu caso, no sentido Brasil-França) e, possivelmente, pelos esclarecimentos que eu poderia dar sobre o original, embora Benedito dominasse perfeitamente a língua francesa. Foram momentos prazerosos e estimulantes de colaboração, anotações trocadas, horas divididas na frente de um computador, novo instrumento à nossa disposição (a internet ainda não entrara no nosso cotidiano). A vizinha da casa da Estrella, Lilia Chaves, de quem eu fora colega nos cursos de literatura francesa da Universidade Federal do Pará em 1979-1980, assinou o prefácio. A CEJUP, editora inicialmente voltada para livros jurídicos, mas ativa, então, nessas confluências entre academia e poesia, assumiu o projeto de publicação.

Na época, talvez confusamente e hoje mais claramente, esse projeto de tradução me soou estranho e ainda pode parecê-lo a um leigo anedótico, uma pedrinha no meio do caminho, desviando a rota filosófica escolhida por Benedito Nunes. Mas, considerando que, na época, meu papel se limitava a auxiliar a empreitada, nunca cheguei a perguntar diretamente o porquê dessa escolha: a do poema e a da própria ânsia de traduzir.

Tentando, hoje, lhe dar sentido, me vem à mente duas considerações talvez laterais, mas que convergem para a possível influência do tio, Carlos Alberto Nunes. Este deixou uma obra importante como tradutor de alemão, inglês (Shakespeare), latim e, sobretudo, grego antigo: as obras de Homero e o corpus platonicum, na edição que o sobrinho se empenhou em organizar, justamente, dentro da Universidade Federal do Pará. É um conjunto, como se sabe, de alta referência para os estudiosos de Platão no Brasil. Carlos Alberto Nunes foi, também, fato talvez menos conhecido, autor de uma epopeia nacional em nove cantos e um epílogo, precedido de um “Ensaio sobre a poesia épica”, Os Brasileidas, que a Melhoramentos editou em 1962.

Sem ser, propriamente, uma epopeia, gênero também cultivado por Augusto Meira (Brasileis: epopeia nacional brasileira, Rio de Janeiro, Pongetti, 1948), Chronique adota uma dicção nobre e elevada, cuja celebração solene abarca uma visão ampla do universo e da humanidade. Benedito Nunes pode ter encontrado nos versos de Saint-John Perse a transposição epidíctica de sua reflexão ética e ontológica sobre o homem e seu mundo, o homem e sua hora. Uma celebração sem deus, uma epopeia sem nação, sem aristocracia, sem herói. Chronique atende, em modo lírico e positivo, às indagações e inquietações do pesquisador e pensador marcado por Heidegger e Ricœur, que iria escrever sobre o tempo, e cada vez mais preocupado em articular o destino humano e o respeito à natureza, visando uma cumplicidade harmoniosa do espírito e do corpo.

Traduzirmos — a que será que se destina? Existem várias maneiras de fazer filosofia.

Michel Riaudel

Professor de Estudos Lusófonos

Sorbonne Université, Paris

Como citar esse texto:

RIAUDEL, Michel. Esboço de crônica de Crônica. Beneditonunes.org, 8 jan. 2021. Disponível em: https://www.beneditonunes.org/traduções. Acesso em: dia, mês e ano.

(1) Cf. Marinilce Oliveira Coelho, O grupo dos novos (1946-1952): memórias literárias de Belém do Pará. Belém: EDUFPA/UNAMAZ, 2005, p. 112.

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