Casa da Estrella: memórias
Entre as artes visuais, a fotografia era a predileta de Benedito Nunes. Ele
colecionava livros sobre fotógrafos, frequentava exposições e mantinha, nas paredes
de sua casa, as imagens que mais gostava. Entre elas, uma foto que seu amigo
Gratuliano Bibas (1917-1997) fez na década de 1960, na Avenida Generalíssimo Deodoro, em frente ao Hospital Beneficente Portuguesa. É uma foto noturna, tirada após a chuva, na qual os volumes escuros formados pelos troncos das mangueiras contrastam com a luz dos postes refletida no asfalto molhado. Essa foto ocupava um lugar de destaque no gabinete de Benedito e foi escolhida por ele quando o Instituto Itaú Cultural o convidou para comentar uma obra de arte na série "Obra revelada". A entrevista que ele deu a Jorge Coli pode ser vista aqui.
Benedito também se deixava fotografar e permitia que sua casa fosse fotografada. Tinha especial apreço pelas lentes dos amigos e também da geração de fotógrafas/os que viu aparecer na década de 1970 e se ampliar nos anos 1980 e 1990. Ele a considerava um dos mais importantes movimentos artísticos de Belém, não apenas pelo número de pessoas envolvidas, mas também pela qualidade do que produzem e pela sua organização, perceptível no projeto de formação artística desenvolvido em várias instituições da cidade.
Nessa exposição, reunimos imagens de três fotógrafas/os, que registraram Benedito e/ou sua casa. As fotos foram produzidas nas décadas de 1990 e 2000, por razões diversas: uma pesquisa sobre a arquitetura modernista na Amazônia, uma matéria de jornal, o registro para uma homenagem. Além das imagens, o visitante encontrará três textos: o primeiro, escrito especialmente para este site, registra as memórias de alguém que frequentou a Casa da Estrella em esporádicas viagens a Belém do Pará; o segundo, do próprio Benedito, é um belo ensaio sobre a relação entre a casa e a cidade, o privado e o público; o terceiro nos lembra que as experiências individuais vividas na casa se multiplicam em redes e conexões infinitas, criativamente, alimentando a cidade.
A esse conjunto de imagens e textos que contribui para documentar a Casa da Estrella, somamos dois vídeos, o primeiro com um trecho de uma entrevista que Benedito Nunes concedeu a Pedro Bial em 2006 e o segundo com um trecho do documentário Mora na Filosofia, realizado em 2011 pela TV Cultura do Pará, após o falecimento de Benedito. Esse vídeo oferece apenas um vislumbre do encantamento que aquela casa foi capaz de provocar em quem a conheceu.
Agradecemos a Patrick Pardini, Elza Lima e Paula Sampaio pela seleção e cessão das fotos; a Michel Riaudel e Afonso Medeiros pelos textos; e à TV Cultura do Pará, por meio de Júnior Braga, pelo belíssimo documentário disponibilizado no Portal Cultura, do YouTube.
Os Editores.
Patrick Pardini
Patrick Pardini
Michel Riaudel
Centre de Recherches Interdisciplinaires sur les Mondes Ibériques Contemporains / Sorbonne Université
"O que justifica a preservação desta casa enquanto lugar de memória é o fato de ela ter sido o caldeirão fervilhante de espíritos fecundos e criativos, um quadro sofisticamente pensado e planejado para se tornar propício à antropofágica invenção. Nela ainda respira um pedaço do que de melhor produziu a cidade de Belém, para si e para o exterior, figuras que tanto deram à região. A casa da Estrella pode permanecer esse espaço de cultura e criação, parte de nós e para as gerações futuras, ínsula fértil e serena no meio do redemoinho."
Leia o texto completo
Elza Lima
Elza Lima
"O que se edifica para a privacidade é, evidentemente, uma parte muito especial da instalação do ser humano no mundo, uma parte que exprime em termos concretos e particulares (...) o próprio ser do homem."
Benedito Nunes
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Paula Sampaio
Paula Sampaio
Afonso Medeiros
Instituto de Ciências da Arte / Universidade Federal do Pará
"A Casa da Estrella, fábrica de uma de nossas almas, precisa ser preservada e sei – ou pelo menos parece – que esse é o desejo de descendências de sangue e descendências de espírito. (...) Ali foi parida uma de nossas mais brilhantes almae matres, coisa de pertencimento. E almae, ainda mais matres, costumam assombrar por séculos, particularmente neste país que, de tanto querer ser pátria para poucos, nunca soube ser a “mãe gentil” dos filhos deste solo tão cantado em verso e prosa, mas que, a despeito dos apagamentos tão comuns em nossa história, encontra-se encharcado de corpos e memórias que recusam o estatuto de mera poeira do tempo."